Textão de desabafo de uma professora de universidade federal

Esse texto pode ser assinado por qualquer professor (a) das federais.

Assistir ao Ministro da Educação mentir, me acusando de praticamente não trabalhar e receber um alto salário mexeu profundamente comigo. É raríssimo eu escrever algo pessoal aqui, sou bissexta no Facebook e bem reservada. Mas desta vez não aguentei. Neste exato momento, estou trabalhando nas férias. Hoje, especificamente, estou redigindo um artigo. Prazos de revistas não respeitam férias. Me reuni com uma colega na hora do almoço também. Para preparar um projeto que será em agosto. Nos últimos sete dias, emiti um parecer para a Fapesp, participei de uma banca na PUC, estive em um seminário no MASP. Na semana que vem tenho um congresso no SESC. Revisei ontem um relatório de iniciação científica de aluna. Preparei o programa das disciplinas que darei no semestre que vem. Como se vê, as horas em sala de aula não são o que mais toma tempo do docente-pesquisador. Para que a grade de seu curso e todas demais as instâncias de sua universidade funcionem, o professor precisa assumir cargos de gestão. O coordenador do curso é um professor (que ganha 400 reais a mais por isso). O chefe de departamento é um professor. O diretor do campus é um professor. O coordenador da pós-graduação é um professor. Os membros do comitê de ética são professores. Há dezenas de comissões, grupos de trabalho, comitês e cargos de representações nos quais os professores se rodiziam para gerir a universidade de modo democrático e informado por quem conhece aquele realidade. Além disso, por lei, temos que fazer atividades de extensão, que são atividades para a comunidade. Laboratório de línguas, cursos livres, cinedebate, coral, teatro, palestras, atendimentos no Hospital São Paulo, ateliês de arte, tudo voltado à comunidade do entorno do campus e à socidade brasileira de modo geral. Por fim, colaboramos sem remuneração adicional com outros órgãos de ensino e pesquisa. Como uma revista terá qualidade se os artigos não receberem pareceres críticos? Pois bem, nós somos os pareceristas. Como as teses e dissertações dos estudantes são avaliados? Nós é que lemos detalhadamente e apresentamos publicamente nossa arguição. Como órgãos de fomento à pesquisa decidem sobre o uso dos recursos públicos? Pedindo para que nós avaliemos os projetos e solicitações que chegam à Fapesp e ao CNPq, por exemplo. Somos também cobrados em relação à produtividade. Quantos artigos, quantos capítulos de livro, quantos orientandos e assim por diante. Façam as contas e me digam se isso tudo cabe em um único dia de trabalho por semana. Não cabe nem em seis. Normalmente são seis e meio. Ah, em relação ao salário, tenho dedicação exclusiva, doutorado e recebo metade do valor daquele anunciado pelo Ministro. (Favor me mandar a parte que está faltando retroativamente). Está no site o plano de carreira da Unifesp, regido por lei federal, para quem tiver curiosidade.
Não recebemos seguro saúde, vale-refeição, nem acumulamos fundo de garantia para comprar imóvel. Não existe qualquer mecanismo de reajuste pela inflação acumulada no ano, como na educação privada. A antiga aposentadoria integral foi mudada por uma lei de 2014, eu aposentarei pelo teto do INSS. Por tudo isso, peço a gentileza que aqueles que me leem ajudem a desmentir tal campanha mentirosa e desrespeitosa de difamação de docentes das universidades públicas. Compreendo que se possam discutir novas formas de captação de recursos para certos projetos ou certos modelos de instituição, não sou contra a avaliação dos servidores públicos como contrapartida de sua estabilidade, sei que sempre há aspectos a melhorar (sobretudo com mais recursos e infra-estrutura), enfim, realmente não se trata de corporativismo, nem de radicalismo de minha parte. Mas ofender professores gratuitamente é cruel e inaceitável. A maioria dos professores é idealista, estudou muito para ter sua vaga (eu estudei vinte anos antes de ter a minha), acredita na transformação das pessoas pela educação e rala o tempo todo. Ajudem-me, por favor, a minimizar os estragos dessa declaração ofensiva do Ministro.

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