O fio de Ariadne
Os filósofos e poetas gregos falavam do “Destino”. Na mitologia , o Destino era representado por três sinistras irmãs : as Moiras. Elas eram cegas, porém tinham à mão um estranho olho de vidro com dom de ver passado, presente e futuro. Esse olho é o tataravô das “bolas de cristal” , nas quais se crê antever o que os nossos dois olhos não veem.
Uma das Moiras puxava o fio da vida, outra o esticava, enquanto a terceira o cortava rindo e zombando , como se cortar o fio da vida fosse uma diversão macabra. Com o fio, as Moiras fabricavam uma “ordo”, uma “urdidura” , isto é, uma “Ordem” da qual ninguém conseguia escapar. A “ordo/urdidura” era feita com linhas retas na horizontal e na vertical, como as grades de uma prisão.
Muito diferente era o fio de Ariadne: fio do Afeto, fio da Arte. Enquanto o fio das Moiras estava preso a uma roda ( a “Roda da Fortuna”), o fio de Ariadne era puxado de um novelo, e assim libertado . Quanto mais se confia nesse fio, menos as Moiras conseguem cortá-lo.
“Con-fiar”: “fiar junto”, pois fia junto quem tece novos elos ( “novelo”: “novo elo”). O fio de Ariadne é puxado de uma potencialidade que se desdobra em novos elos a serem tecidos e ousados.
Enquanto o fio do Destino é “ordo”, “Ordem”, o fio de Ariadne serve para tecer tramas. A trama é feita de linhas transversais formando curvas , desvios, “clinâmens”, espirais...Toda trama borda uma linha de fuga que afirma a liberdade a despeito da malha férrea das Ordens Sinistras.
As Moiras puxavam o fio da roda, o esticavam , para enfim cortá-lo. Elas eram incapazes de bordar, pois bordar é tecitura da arte enquanto força que estende ao máximo o fio da vida, vencendo aqueles que o querem cortar.
Toda bordadura parte de uma Ordo/Ordem, porém lhe acrescenta tramas criadoras de caminhos que nos fazem transpassar as grades ( físicas ou simbólicas).
A gramática é urdidura , mas trama é a poesia; urdidura é a família, porém trama é o amor; cartilhas são urdiduras, já pensar é trama que confia em sua força libertária.
As Moiras cobriram Bispo do Rosário com lençóis que mais pareciam mortalhas , porém Bispo do Rosário desfez o fio dessas grades e com ele bordou sua linha de fuga sob a forma de manto e asas. Apesar da “Moira Social” que o urdiu louco, Bispo do Rosário teceu sua transversal, e assim tramou sua criativa lucidez como fuga da normalidade reta dos que pensam igual.
Embora toda trama parta de uma urdidura, nenhuma urdidura pode determinar que trama se inventará a partir dela.
“A reta é uma curva que não sonha.” (Manoel de Barros)
“Não há linha reta, nem nas coisas e nem na linguagem.” (Deleuze)
“Quero descrever o voo de um pássaro
escrevendo com a pena de uma asa.” (Guimarães Rosa)
*(foto: Bispo do Rosário e suas asas Texto magnífico do prof. Elton Luiz de Souza
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