Entrevista Coletiva com Lula em Nova York
Por Edward Magro*
A história de vida de Lula, revelada neste curto recorte da entrevista coletiva ontem em Nova Iorque, é o testemunho de uma existência inteira dedicada a abrir caminhos por onde a sociedade se liberte de suas misérias e construa uma vivência minimamente digna. Só quem viveu o antes, o pré-lulopetismo, sabe a miséria humana na qual estávamos encarcerados. O vídeo guarda um instante precioso: a experiência que se transforma em narrativa e a memória que se oferece como lição terna.
Vemos um homem às portas dos oitenta anos revisitar sua trajetória. Ele recorda o tempo em que, ainda muito jovem, descobriu que a política não era distante nem reservada a especialistas, mas parte indispensável da vida comum. Reconhece-se primeiro como operário apaixonado por futebol, que por acaso encontrou o sindicato e, diante da injustiça, percebeu a ausência de trabalhadores no lugar onde as leis eram feitas. Dessa ausência nasceu o impulso de criar um partido — e, com ele, a convicção de que a democracia precisa de presença, de voz, de coragem.
Em seu relato, a democracia não aparece como palavra vazia, mas como delicada tarefa cotidiana: ao despertar, perguntar o que se pode fazer por ela; ao adormecer, refletir sobre o que se fez. Cada conversa, cada gesto de organização, cada convite à participação se converte em alicerce discreto e essencial para mantê-la viva.
Ele revive também a experiência concreta de um tempo em que núcleos se multiplicavam por bairros, vilas, locais de estudo e de trabalho. A democracia florescia no chão da vida diária, no encontro entre vizinhos, colegas e companheiros, na construção paciente e amorosa de uma sociedade civil organizada.
Este vídeo é mais que lembrança: é chamado. Um convite sereno para que cada um de nós reconheça, em sua própria vida, a doçura e a força de participar e de cuidar daquilo que sustenta a esperança coletiva.
Permito-me oferecer uma pequena lembrança pessoal, não por importância, mas como confirmação vivida. Minha velhice pode servir, ao menos, como testemunho, como fact-check: eu vi isso acontecer, diante de mim, aos meus olhos, com minha modesta contribuição e com a de tantos companheiros que caminharam ao lado na criação de um partido que parecia impossível de nascer. Repito: IMPOSSÍVEL. E, no entanto, ele nasceu. Contra tudo, contra todos, até contra as nossas próprias incertezas, nossas inseguranças, nossos medos.
Nasceu de um útero prenhe de esperanças, carregado de necessidades urgentes, de obrigações inadiáveis, ainda que fosse um útero frágil, quase seco, espezinhado anos a fio. Mas nasceu. Os poderosos não conseguiram impedir que o corpo frágil de uma militância capenga, surrada, liderada por um operário, trouxesse à luz a centelha de esperança que mudou nossas vidas.
Se, no momento talvez mais duro de nossa história, foi possível realizar o que parecia inalcançável, nada do que vier adiante deve nos amedrontar. Não haverá fascismo que nos cale, não haverá extremismo que nos quebre, não haverá mentira capaz de apagar a ternura da verdade que aprendemos a construir juntos. Não haverá pastor que impeça os céus de descer à Terra.
*Texto de Edward Magro, postado por Ana Vasconcelos.
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