A Margem Esquerda da Geografia.

Imagem: Fotografia de Luísa Mariano.

Por Belarmino Mariano.

Recentemente fui instigado por um estudante de geografia do sétimo período, em meu curso de Geografia Política e Geopolítica, quando estava expondo conteúdos sobre o Imperialismo Geopolítico dos Estados Unidos. A pergunta do estudante foi direta e cristalina: "-Será que todos os professores de geografia são de esquerda?"

Muitos acham que a Geografia, assim como a História e a Sociologia, entre outras, sejam ciências controladas por grupos de esquerda, simplesmente por termos teorias e métodos que revelam as grandes contradições sociais, políticas, econômicas e culturais dos sistemas ou modos de produção, com a possibilidade de análise crítica, na medida em que os grupos sociais se relacionam.

Precisamos registrar que toda e qualquer área da ciência só é ciência por existirem campos ideológicos com os quais nos deparamos, analisando situações concretas ou de fato, fenômenos ou percepções, que quase sempre, se revestem de leituras do mundo. Sempre considerando que o mundo ideal ficou restrito as hipóteses ou suposições apriorísticas.

Feitas estas ponderações, podemos dizer que a geografia humana e, até certo ponto a geografia econômica e política, cresceram diante de possibilidades de análise que ultrapassaram os limites dos interesses ideológicos de grupos dominantes, sempre buscando compreender as manifestações do real e lançando luzes sobre a racionalidade humana pautada pela dialética e pela materialidade executada pelos seres humanos e seus domínios sob a natureza.

Essa capacidade de dominação humana sob a natureza e de uma posterior dominação de grupos sociais sob outros grupos sociais, nos tornaram produtores contraditórios de espaços geográficos e de fronteiras políticas cada vez mais complexas e contraditórias. A geografia não é uma ciência de esquerda ou de direita, mas todos os geógrafos precisam ter a capacidade de analisar os fenômenos sociais e ambientais a luz da realidade histórica e material.

Temos que considerar que, pelo menos 2 mil anos de experiências racionais sobre a maneira de pensamento ou elaboração de conhecimentos para além dos fenômenos metafísicos, mitológicos e/ou teológicos, muitas revoluções aconteceram no mundo social e na ciência. Entre os séculos XIX e XX, as análises críticas dos fenômenos ganharam forte espaço nos campos de investigação científica para além da filosofia.

Mas na Geografia, por incrível que pareça, só começou a se interessar por esse campo de investigação e, foi a partir do final do século XIX, que isso se deu a partir de alguns geógrafos de pensamento anarquista ou libertário. Inclusive geógrafos que não se prendiam a ideia de esquerda ou direita, pois em suas ideias centrais, a sociedade precisava abolir o Estado para a mobilização de uma sociedade coletivista ou ácrata.

Podemos destacar vários escritos anarquistas de geógrafos como o francês Elisée Reclus e o russo Pietro Kropotkin, entre os seus pensamentos políticos da época, surgiram os temas como federalismo, mutualismo, cooperativismo, sindicalismo e anarco-comunismo na perspectiva de superação dos sistemas arcaicos de organizações socias feudalistas, monárquicas absolutistas e escravistas.

Estes geógrafos contribuíram e muito para a formação da geografia social, inclusive apresentando novas abordagens teóricas que criaram correlações ou conexões entre as ações sociais e a natureza, considerando que os grupos humanos, são uma parte da natureza que adquire consciência de si própria e que que os desequilíbrios do mundo natural, tem uma direta interferência do grupos sociais.

Na sequência, precisamos afirmar que diante das teorias de Karl Marx em especial sua grande análise crítica as contradições entre o capital e o trabalho, permitiram aos geógrafos do século XX, atraiu especulações para o uso de Marx em temas geográficos, que foram se tornando temas curriculares de interesse das pesquisas geográficas. Podemos dizer que a relação espaço tempo e sociedade natureza, permitiram aos geógrafos, perceber as desigualdades espaciais em um mundo cada vez, mais interligado por lógicas imperialistas e por avanços do capital industrial sob as produções manufatureiras em condições coloniais.

Se considerarmos que essa visão cientifica pautada pelo método de análise crítica e a teoria crítica ao capital feita pelos anarquistas e depois por K. Marx, em que as duas tendências políticas chamavam os pensadores as ações diretas e a participação nas transformações das sociedades desiguais para uma sociedade sem classes, levou muitos geógrafos tanto a teoria crítica, quanto a práxis de transformação social.

É preciso esclarecer que a visão dos anarquistas diferem do pensamento de Marx em diferentes situações, em especial na ideia anarquista de fim do estado e do fim das classes sociais, quando Marx, apostava em uma necessária manutenção de um Estado, conduzido por uma ditadura do proletariado, teses que os libertários não concordaram.
Dos gregos e os princípios democráticos; das cidades estados (pólis) até os estados pré-capitalistas, chegando aos estados capitalistas modernos e ao capitalismo financeiro globalizado, chegamos ao estado de complexos geográficos nunca vistos em outros tipos de experiências espaço tempo, que as instituições políticas e sociais ainda não haviam experimentado.

Estamos diante de uma geografia e de geógrafos que, independente de ser da esquerda ou da direita, precisam alertar criticamente para a leitura correta do mundo, que vai da realidade local, regional e nacional, até a realidade global e suas fortes contradições, tanto geoeconômicas e ambientais, quanto geopolíticas e sua atual crise de relações e modelos globais em xeque.

Independente dos sistemas ou modos de produção, das crises econômicas sistêmicas e atualmente das crises ecológicas e de limites de desenvolvimento e crescimento, aos limites da natureza e da própria economia de mercado. Os choques de culturas e a exploração dos valores e bens produzidos coletivamente.

Como afirmar que situações estruturais da atualidade podem trazer ao campo da geografia a necessidade de rediscutirmos contradições do sistema e os seus limites de desenvolvimento, inclusive quando não temos mais condições de situar as classes trabalhadoras no mundo do trabalho, pois no próprio mundo do capital, não há vagas de emprego e nem capacidade de consumo para o mercado global em decadência pelo processo de precarização das relações socioeconômicas.

Por outro lado, as crises ambientais e de saúde para a espécie humana, as fronteiras de um mundo em forte processo imigratório e de refugiados, um mundo das tecnologias digitais e da tecnologia 5G, são novos desafios para compreendermos o mundo em colapso, dentro de uma realidade que perde o sentido material e vai se tornando virtual e fictício, dentro de uma economia de mercado e de mercadorias que não são completamente livres, como apregoavam os neoliberais na década de 1990.

Será que os sistemas socioeconômicos sejam completamente antagônicos, ou existem situações de transição e até mesmo de combinação e adaptação em situações e momentos históricos diferenciados, considerando o valor trabalho coletivo e as contraditórias relações entre a produção material e o capital fictício ou especulativo em bolsas de valores?

Será que os estados e os mercados só se combinam em estados capitalistas?
Como ficam os estados de bem estar social, diante de um mundo globalizado com forte pressão de um capitalismo com tendências monopolistas e especulativas?

Os grandes debates sobre países capitalistas, países socialistas, situações de desemprego estrutural e contradições para o planejamento e para o desenvolvimento em razão do meio ambiente e, não apenas com base nos interesses reais do mercado?

Logo, estamos diante de um mundo em que, o desenvolvimento humano é desigual e em alguns aspectos se combinam, mas não podemos fechar os olhos para querer fechar tudo ao campo ideológico dos indivíduos. Antes de alguns apressados afirmarem que todos os geógrafos sejam considerados comunistas, dê uma lida mais aprofundada em autores como: Elisée Reclus, P. Kropotikin, Ruy Moreira, Milton Santos, Iná Elias de Castro, Marcelo Lopes de Souza, Yves Lacoste, David Harvey e tantos outros.

Outras leituras:
https://radicaislivreseco.blogspot.com/2019/03/o-anarquismo-como-metodo-de-analise.html

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