CARTA DE PAULO FREIRE NO EXÍLIO A ARIANO SUASSUNA
Reproduzida por Raphael Gomes.
Querido amigo Ariano:
Há poucos dias lhe escrevi, perguntando-lhe, inclusive, como andava minha situação. Volto agora a fazê-lo, depois de ter sido informado pela imprensa, brasileira e chilena, do resultado de meu processo e de ter recebido um telegrama amigo de Monte e Paulo Cavalcanti, confirmando a notícia.
Escrevo-lhe agora, meu velho amigo, para dizer-lhe de minha sincera gratidão pelo interesse que você teve, desde o primeiro momento, por meu caso. Nunca me esqueço de sua valentia de querer bem, quando, ao chegar ao aeroporto do Recife, vindo de Brasília, num momento em que tudo era penumbra, interrogação, desconfiança, medo, denúncia, fuga, negação; em que os "amigos", antes e depois que o galo cantasse - não importava - diziam: "Quem é? Não conheço. Jamais vi este homem!" ou, o que era pior: "Conheço este homem, sempre desconfiei de suas intenções malvadas", lá estava você, fraterno, risonho, confiante, ao lado de Monte, ambos abraçando-me. Abraçando-me, quando cumprimentar-me, simplesmente cumprimentar-me, era uma ameaça a quem o fizesse.
Você, Monte e outros, muitos outros, foram o contrário de alguns. Entre estes nunca me esqueço também, sem rancor e sem ressentimento, ao testemunho de um professor da universidade, que, ao dobrar uma esquina — a do cinema São Luiz — me divisou a uns 10 metros de distância e fez então o mais difícil: andou de lado...
Você, pelo contrário, veio sempre de frente ao meu encontro, a nosso encontro. Encarcerado, você procurava Elza, enquanto os que andavam de lado perderam nosso endereço...
Nesta carta "sencilla" nada mais lhe direi além do meu, do nosso muito obrigado.
Do amigo-sempre,
Paulo Freire.
Santiago, 31.5.68. Uma curiosidade bem bacana:
Você sabia que Ariano Suassuna contribuiu para o método de alfabetização de Paulo Freire?
Paulo Freire submeteu ao amigo
Ariano seu método de alfabetização antes que ele fosse publicado. Ariano Suassuna, encantando com o método revolucionário, fez apenas uma ressalva: "A parte plástica não está correspondendo à extraordinária qualidade do método". Ariano então sugeriu o artista Francisco Brennand, que trabalhava com arte popular, e viria a ser a pessoa que ilustraria em definitivo o método de Paulo Freire. Reproduzido de Raphael Gomes.
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