DESFILE DE HORRORES
Fabrício Carpinejar
O amor requer privacidade, acolhimento, convívio, diálogo.
Coloque em dobro todas essas recomendações na hora de tratar com crianças esperando adoção. Elas são mais frágeis, já experimentaram traumas e conflitos familiares e dependem de passos firmes para fortalecer a sua estima. Não podem ser expostas ao sofrimento gratuitamente. Exigem a proteção incansável de seus cuidadores e de uma transição segura para um novo lar.
Nada disso aconteceu em shopping de Cuiabá (MT), na terça (21/5). No evento Adoção na Passarela", crianças e adolescentes de 4 a 17 anos, aptas para a adoção, atravessaram a passarela em busca de famílias candidatas.
Não há como entender os objetivos da Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (Ampara) e da Ordem dos Advogados do Brasil do Mato Grosso (OAB-MT).
Desde quando crianças são escolhidas pela aparência, pelos atributos físicos? Estão oferecendo modelos para interessados? Tem que ser bonito e desfilar para ser aceito? Tem que estar arrumado e ostentar figurino de grife?
Elas querem pais, não empresários.
Ideias, olhares, sonhos, palavras, ternura, alma não servem para coisa alguma? É o recado que está sendo dado?
A exposição de meninos e meninas, com cabelo produzido e maquiagem, não tem graça. O desamparo não é um concurso de miss. A dor não é uma disputa de beleza.
Meu impulso é chorar de raiva, jamais aplaudir a iniciativa. Corresponde a maltratar uma esperança já calejada, criar expectativas para uma finalidade equivocada, priorizar a futilidade e incentivar o descarte humano.
Exibir órfãos a um desfile é erotizar o abandono, num movimento contrário às campanhas contra o abuso e a exploração de menores.
É promover um leilão. É organizar uma venda coletiva. Em vez de roupas e produtos, é possível oferecer lances para levar vidas indefesas para a casa.
Como se os pequenos fossem escravos. Como se os pequenos fossem obrigados a mostrar os dentes. Como se os pequenos fossem obrigados a rebolar, dançar e girar para atrair o interesse. Como se as nossas crianças fossem absolutos objetos de consumo.
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