O reflexo no espelho: a origem do golpe, de José Renato Uchôa, Ed. Ideia.


Por Márcia Azevedo
Dizer a verdade sobre o regime colonial na Argélia, lutar para cessar a tortura, combater o racismo, eis as obrigações que se impõem a todos os intelectuais. (BOURRICAUD)

O reflexo no espelho: a origem do golpe, de José Renato Uchôa, reúne diversos artigos que tratam do cenário político do país, prioritariamente, entre os anos de 2003 e 2016. Não por acaso, os textos revelam muito do próprio Renato que é, antes de tudo, educador aguerrido nas ações pela inclusão e conhecedor da força e da sabedoria do povo, em sua maioria, empobrecido.
Nas matérias, Uchôa trata, sim, do PT, apresentando, ora uma visão muito positiva sobre a gestão do partido, ora tecendo críticas contundentes à atuação de seus membros em governos estaduais e federal. A descrição de fatos do jogo político é apaixonada; sempre sob a perspectiva da inclusão e do compromisso social. Contudo, ainda que isso seja de uma boniteza cativante, comentarei aqui sobre a cobrança que o autor faz aos intelectuais que se silenciaram nos diversos momentos de crise, um tema, nada central, mas que permeia muito do que se é discutido na obra.
A exigência de Uchôa dirige-se especificamente aos intelectuais orgânicos, pensadores que nasceram dentro do PT, mas que, em momentos decisivos, segundo o autor, não fizeram a mediação necessária, deixando a arena vazia e a população sem a interpretação desses agentes, que, talvez, compreendessem estar se manifestando por meio do mais profundo silêncio; código ineficiente para uma massa que ainda, ainda... não sabe ler inferências. 
A discussão sobre o posicionamento público dos intelectuais é assunto controverso. 
No início do século XX, Julien Benda, em "A traição dos clérigos", denunciava ações de pensadores que deixaram de analisar causas universais, para se aterem a problemas de uma sociedade particular, justificando ações políticas e afastando-se da análise dos valores absolutos, como compreendia Zola, por exemplo, ser abordagem correta.  
Em diversos artigos de O reflexo no espelho, fica evidente a dificuldade da ação de intelectuais brasileiros, os quais, na concepção do autor, deveriam ocupar o espaço do debate público, atuando criticamente sobre as mazelas e golpes de toda ordem nos quais mergulhava o país. 
É certo que o impasse entre defender ideais absolutos, denunciar problemas sociais ou simplesmente sair de cena, permanece inquietantemente atual, por isso, as reflexões de Uchôa ecoam fortemente, sem solução, para além do contexto de sua obra, pois sabemos que um pensador honesto, em nossa contemporaneidade, já não poderá formular certezas sobre o futuro e, desta forma, como bem propôs o professor Franklin Leopoldo e Silva, em brilhante  análise sobre “o silêncio dos intelectuais”, o melhor caminho talvez seja não apontar soluções para superar a crise, mas, antes, aprofundá-la para tentar compreender as suas motivações. 
Se assim for, José Renato tem razão, visto que nessa perspectiva é imperativo ao intelectual ocupar a ágora, seja para promover a reflexão sobre possíveis superações, seja para propor a compreensão da crise.
Assim, parece que o caminho mais promissor seria mesmo ir para o debate, pois é certo que esse espaço será ocupado, o melhor, portanto, como reclama Uchôa, é que seja por agentes intelectualmente honestos.
Sigamos!
 

Referências: 

BENDA, Julien. A traição dos intelectuais, 1. ed., tradução de Paulo Neves, São Paulo, Peixoto Neto, 2007.

Rodrigues, Helenice. O intelectual no "campo" cultural francês: do "Caso Dreyfus" aos tempos atuais. Varia Historia [online]. 2005, v. 21, n. 34 [Acessado 29 Setembro 2021] , pp. 395-413. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-87752005000200008>.
SILVA, Franklin Leopoldo. “O Imperativo Ético de Sartre”, in Adauto Novaes (org.). O Silêncio dos Intelectuais. São Paulo, Companhia das Letras, 2006.
Texto original: 

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