Na Serra da Mucunã, uma pescaria de sonhos.

Por Belarmino Mariano.
O momento foi ideal para reencontrarmos amigos,  comadre e compadre, Alexandre Moca e Cleoma M Toscano Henriques, pois em dois anos de afastamento social, devido a pandemia mundial da Covid-19, já vacinados com as duas e até três doses de vacinas, finalmente, tivemos as felicidades de conhecermos as terras da Mucunã, para passarmos um fim de tarde e uma meia noite.
Foi o dia 05 de dezembro, um domingo e um dia após o aniversário de dez anos de Luisa Mariano, afilhada de Alexandre, Cleoma e de mais um punhado de amigos e amigas, como: João Andrade e Joana Andrade , lá da serra de Araruna, além de Amarildo H. Lucena e Luciene Arruda , pois essas minhas filhas são rodeadas de amáveis padrinhos e madrinhas.
Na Serra da Mucunã éramos poucos/as, dois homens de meia idade e quatro mulheres de idades mescladas. Erica Mariano , Cleoma, Brenda Mariano  e Luisa Mariano. Mesmo assim, em família, mantivemos as recomendações da OMS, para o distanciamento mínimo, pois o local permitiu múltiplos olhares para a vastidão do mundo.
A Serra da Mucunã, lembra canções populares e filmes de grande bilheteria, pois nos sentimos assim, diante de uma "intercomunicaçāo de sentidos", como diz a mana Joana Belarmino de Sousa , que chegou a este grande encontro, através da memória de um velho Índio, da nossa ancestralidade.
Essa foi a minha primeira sensação, quando já estava aos 335 metros de altitude, nesse ponto culminante dos contrafortes orientais da serra da Borborema. 
Me baixou a presença extasiante de um "velho Índio" das terras dessa serra, mirando a vastidão da Depressão Sub litorânea, até chegar em Miramar, local onde estava a mana Joana. 
Mais um pouquinho e daria para enchergar a ponta do Cabo Branco, onde encontrei Emilia Moreira , ela que também é dessas terras e me ensinou essa geografia da Paraíba, inclusive com aulas de campo e experiências empíricas para o Planalto da Borborema e anel do Brejo, identificando límites Socioambientais e transissões, entre Litoral, Agreste, Sertão e suas áreas de excessão.
O olhar aqui da Serra da Mucunã não é de um geográfico puro, que olha para a paisagem investido de teorias, princípios e conceitos científicos.
Não é apenas racionalidade, melhor, a racionalidade é parte pequena dessa experiência. Aqui é conexão de sentimentos e de sentidos, pensamentos, emoções e vontades, pois de imediato somos tomados pelo engrandecimento de uma grande angular a fotografar olhares dos 360 graus de circunferência da Terra e da abóboda celeste.
Aos nossos pés vemos a barragem do Tauá e a sensação de muita água, retida em alguns milhões de metros cúbicos e, em todas as direções, as vertentes e/ou nascentes, como se as serras fosses mulheres deitadas, sob o dorso da Terra e que, de suas entrecoxas escorresse o líquido sagrado para encher o vale que virou represa.
O solstício de verão, em pleno início de dezembro, denuncia a falta de chuvas e a vegetação, mesmo nas serras, estão vestidas com o véu da caatinga, apesar de tonalidades de um verde claro, por entre os vales do rio Araçari e Mamanguape. 
Eu estava com um pequeno colar de casca de cajá no pescoço, quando disparei o olhar para aquela vastidão e tive em minha alma a visão de um "velho Índio" admirando o inexplicável.
Me senti criança, pois enquanto Cleoma e Alexandre brincavam de fotografar Luísa em pulos contrastantes entre a serra e o céu, também me fiz fotografias de querer pular e aparecer no click do celular, ficando suspenso no ar.
Era um misto de transe, êxtase e encantamento, pois estava alí em meio a família, amigos e memórias do inconsciente coletivo, querendo passagem para o estasiamento das coisas.
A tarde foi encurtando distâncias e as nuvens dos alísios do Sudeste foram tentando esconder os raios solares e os tons de cinza se misturavam com o azul turquesa foram se tingindo de laranja e dourado.
O Pôr do Sol indicava a porteira da Mucunã ao Oeste e Luisa já estava a disparar sua angular para cruzar imagens de cactos, árvores maiores, riscos dos montes e a luz do sol, se preparando para se esconder por entre as serras e a linha do belo horizonte.
O "velho Índio", enquanto escutava as histórias de Alexandre Moca sobre estas terras e seu avô, se maravilhava por está alí, tão perto das nuvens, tão perto do sol e até da fina lua nova que já apontava no céu ocre do anoitecer.
As casinhas por entre as serras já davam sinal de iluminação e as cidades de Cuitegi, Guarabira e Alagoinha começavam a clarear pela luminiscencia dos postes e casas.
A noite engoliu o dia, enquanto Alexandre e Cleoma, ainda nos mostravam as cercanias da casa. As cisternas de placa, construída e em construção, a recuperação de solo e as novas espécies introduzidas com um sistema de irrigação por micro gotejamento e comando de voz para "alexa", dão a tônica de um mundo rural se adequando as teclogias 5-G.
Quando já não estávamos enxergando a caminhada em círculo, Alexandre deu um comando de voz para "alexa" acender os postes e, com a iluminação artificial estabelecida, nos aproximamos da casa em estilo rústico, que já havia sido detalhada pelo o olhar das mulheres.
A casa é um sistema semi aberto, com capacidade para uma família de cinco. Um abrigo ainda em construção, varandas em alpendres e entradas entre leste e oeste, geram excelente circulação de ar e iluminação natural através dos quatro pontos cardeais, demonstração de que combina conhecimentos  Feng Shui de harmonização dos ambientes.
Um fogão a lenha com forno rústico, complementa a cozinha e uma bancada aberta para um mirante em direção a serra do espinho,  com um varandão descoberto de casa.
O fogo já estava em brasas, com uma chaleira de água a esquentar, enquanto o forno já se aproximava dos 150 graus, aguardava mais lenha para uma fornalha de pães caseiros.
Enquanto conversávamos sobre a serra da Mucunã e as histórias familiares de Alexandre e Cleoma, sentíamos o cheiro do pão no forno e do coar do café, trazidos pela suave ventania do começo da noite.
Uma pontinha de frio se encostava em nossas orelhas, obrigando as meninas a procurarem casacos. Enquanto aguardavam aquele pão quentinho com queijo de coalho derretido na frigideira.
As constelações já estavam nítidas no céu estrelado e mais um comando de voz para alexa, magicamente os postes se apagaram, com permissões para identificarmos o Cruzeiro do Sul, o cinturão de Orión (Três Marias), sargitario e capricórnio, entre outras.
Tudo isso gerou um sentimento de apaixonamento, pois em dois anos de isolamento social, pela primeira vez, nos aventuramos ao encontrar os amigos, tão próximos e tão distantes, pois estamos falando daqui mesmo, dessa grande Guarabira, nascida entre estas serras magníficas. 
Isso mesmo, temos que gastar adjetivos grandiosos, pois seguir as margens da barragem do Tauá e subir a serra da Mucunã, para desse alto contemplar a imensidão cósmica e sentir essa sensação de magnitude, percebemos a junção de pensamento, sentimento e vontade. 
Esse Trivium que nos faz "a natureza adquirindo consciência de si mesma", parafraseando Élisée Reglus, geógrafo anarquista francês do século XIX.
A Mucunã, além de ambiente físico é um estado de espírito, pois estamos em conjunção com a Terra, seus montes e serras e vales encaixados entre os esporões do Planalto da Borborema, de onde se avista serras vizinhas de Pilões (Serra do espinho),  Areia, Alagoinha, Mulungu e Guarabira (serra da Jurema), em contraste noturno com as luzes dessas cidades.
Depois de um delicioso café com pão caseiro, uma manteiga da terra, queijo de coalho derretido no fogão de brasa e uma carne desfiada, regados a uma boa conversa, seguimos para uma maior apreciação da noite e das estrelas, regados a um vinho e uma chama acessa exposta em uma pira baixa, feita com traquitanas de ferro grosso em inventos de Alexandre e aos modos rurais serranos. 
Pequenas tiras de madeira formaram uma pequena fogueira na pira. Alexandre Moca, trouxe uns três sabugos de milho, já embebidos  em querosene e com um fósforo, se fez o fogo para o mágico e enigmático deleite do nosso olhar.
Luz e calor para acompanhar uma taça de vinho na pequena reunião de amigos, cumplicidade de ideias, opiniões e compartilhamento de histórias, memoráveis de tempos em que éramos crianças e desfrutavámos de aprender com os avós, sobre subir e descer essas serras em lombo de burros.
Na Mucunã eu tive a impressão que o tempo não existe de fato. Tudo é uma mistura de presente. Mesmo que seja um presente distante, ansestral e memorável. Pois estivemos lá por umas 9 horas, com a sensação de anos, o fogo em pequenas chamas e brasas, nos puxando para o céu estrelado e, entre uma conversa e outras, lembranças familiares de lugares indistintos.
A Mucunã nos reconecta com a Terra Mãe, nos convida para a necessidade de um novo pacto com a natureza, pois o mundo que se aquece de maneira global, exige novos tratados  de recuperação, conservação e preservação do meio e dos humanos.
Na Mucunã, alexa conduzia uma sinfonia de MPB das boas, como Chico, Caetano, Gil, Bethânia, Gal, entre outros e outras canções que embalava nossas conversas de boca da noite.    E entre esses bons papos e músicas, ouvimos pelo celular a voz e violão de Heitor Toscano , a paródia da música de Toquinho que  de "passar uma tarde em Itapoã", se transformou em "passar o dia em Mucunã". 
Quando chegamos no alto da Mucunã, olhando para o espelho de água da barragem de Tauá, depois vende o breu da noite escurecendo tudo, vemos a imensidão brincando com nossos sentidos, enquanto as meninas brinca no terreiro com luzes de caminhadas presas as testas, testam seus olhares, clareando trechos do seu brincar.
Passar pela estrada barreada e serena que dar acesso a serra Mucunã é um misto de aventura, apreensão e experiência, coisa que não tenho tanto, precisando das dicas e ajudas dos moradores para vencer o traçado da estrada. Chegar a esse lugar e desfrutar de tamanha experiência é uma experiência de reencantamento, um locus de signal cosmogonia que perecis perdida em nossa cidade, tela plana ou mundo bidimensional da virtualidade.
Saímos no meio da noite, singranda a sinuosidades do caminho em meio a escuridão, guiados apenas pelos faróis do carro. A nossa direita os precipicios do vale e da barragem, visíveis apenas em nossa imaginação, aquele misto de apreensão e aventura ainda alimentava nosso ser de adrenalina pura. Com fotos de Alexandre e Cleoma, que fim de tarde e que noite!

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