É Possível Simplificar a Dialética de Marx?
Imagem das redes sociais. |
Por Belarmino Mariano Neto
O método dialético de Marx é fundamental para entendermos sua obra O Capital, sem a compreensão da dialética proposta por Marx, O Capital ficará completamente fora do entendimento e da interpretação correta. Marx não escreveu para o nosso tempo, mas o que ele escreveu mudou profundamente a nossa compreensão do mundo como ele era e como é agora.
Logo, estudar o método dialético de Marx é fundamental para compreender Marx e o nosso tempo. O final do século XIX é um período de grande linhagens de pensamentos em diferentes áreas de conhecimento e nosso mundo fast food nos impede de compreender as profundezas e os sentidos dos processos de pensamento do século XIX e início do século XX. Em outras palavras, é muito arriscado acharmos que seja possível banalizar o termo dialética, tentando resumir ou simplificar o pensamento de Marx em plataformas digitais.
A Dialética se encontra no cerne das questões levantadas por Marx. Outras categorias como totalidade e contradição estão na base da dialética de Marx, mas ambos precisam ser ancorados a história e a materialidade da categoria trabalho e consciência de classes. Marx nos obriga a compreender que só existe um Marx ortodoxo, qualquer heterodoxia por mais bem intencionada que seja, nos afasta do pensamento original de Marx e complica o entendimento de suas categorias de análise e o próprio método.
Os alertas iniciais não são no sentido de desanimar os leitores iniciantes de Marx, nem desistir ou tentar encurtar os caminhos, porém é uma tentativa de alerta, que não basta colocar em seu trabalho de iniciação ou de conclusão de um TCC que o método escolhido foi o dialético de Karl Marx, pois vejo muito isso em bancas de TCC e até mesmos em dissertações, simplesmente por ser um trabalho sobre a questão agrária ou sobre as relações de trabalho na perspectiva do mundo globalizado.
Claro que pode usar o método do Materialismo Histórico e Dialético MHD) sim, mas precisa estruturar bem o método a sua realidade pesquisada, pois o pensamento de Marx precisa ser datado, sob pena corrermos um sério risco de mutilações e distorções irreversíveis. O alerta é no sentido de considerarmos também que muitos livros e artigos de marxistas, nem sempre tratam sobre o MHD e precisamos garantir que toda escolha metodológica também é um compromisso com a abordagem e com as categorias de análise e compreensão de uma realidade histórica.
Outro importante alerta é considerarmos que Marx ao propor um método dialético, buscou ancorar o seu pensamento do século XIX aos grandes filósofos gregos anteriores e posteriores as datações do antes e depois de Cristo. Podemos dizer que Marx, leu e interpretou a ideia dialógica dos gregos antigos e propôs algo completamente diferente e muito mais aprofundado do quê a análise de discursos dialógicos, mesmo considerando que a dialética grega já era um avanço em termos de pensamentos com múltiplas possibilidades de interpretação das ideias humanas, considerando que Sócrates, Platão e Aristóteles deram os primeiros passos nessa direção.
Marx vai além pois ao estudar a dialética dos gregos, apresenta um conjunto de críticas e aprofundamentos para reinterpretar o pensamento dialético em seu tempo e nas transformações materiais para além da filosofia, considerando aspectos da sociedade, economia do próprio pensamento humano em sua época. Quando a maioria dos pensadores do século XIX, tradicionalmente, repetiam ou mantinham as ideias gregas como pétreas, tendo no pensador moderno Hegel, o maior exemplo de tradição e manutenção do clássico ideário da dialética dos gregos, apesar de ter avançado em alguns aspectos, a tradição do pensamento dialético grego se mantinha.
Marx ao viver em meados do século XIX, em seu tempo percebeu as chaves de algumas revoluções anteriores a ele, como o iluminismo, o racionalismo e o mundo dos impressos, tendo a oportunidade de consumir ao máximo, todas as obras traduzidas dos gregos ou interpretadas e produzidas por filósofos e economistas políticos como Hegel, Ricardo, Smith e tantos outros, anteriores ou contemporâneos do próprio Marx.
Marx, mesmo vivendo em uma Alemanha ainda distante da primeira Revolução Industrial, teve acesso a vasto material sobre a Inglaterra de Engels, mas viu que, no vapor se produzia uma energia material capaz de substituir parcelas importantes da força de trabalho dos animais quadrupedes e humanos, alterando completamente as relações sociais, econômicas, políticas e culturais entre grupos sociais e relações de produção, além de exacerbar ainda mais as contradições das classes sociais, com sendo uma das suas fixações para o aprofundamento de suas teorias e definindo o MHD como o melhor caminho de análise.
Marx viveu um tempo de grandes revoluções, não apenas técnicas, mais principalmente políticas, entre as quais as revoluções burguesas entre as quais a Revolução Monárquica Parlamentar Britânica e a Revolução Sociopolítica Francesa que originou o modelo republicano de governo. Os seres humanos começaram a construir uma ideia de liberdade política e conflitos socioeconômicos fora do comum, com dinâmicas extremamente contraditórias, alimentadas por mudanças e movimentos que estavam sendo pensadas e interpretadas por filósofos como Hegel e Marx entre outros.
Os modelos políticos monárquicos e absolutistas estavam em risco, pois tanto a revolução francesa quanto a inglesa, se colocam enquanto questões fundamentais para se pensar as ideias humanas a partir da realidade histórica. Espírito como pensamento e fé, ser humano para além da religião e materialismo versus idealismo se tornam questões centrais no pensamento humano, cada vez mais racionalismo e antropocentrismo eram máxima dos filósofos do século XIX. Podemos dizer que idealistas e materialistas começaram a alimentar as reflexões filosóficas em meados do século XIX, enquanto fomentos revolucionários.
Determinismo e possibilismo diante das forças materiais da natureza e diante das possibilidades sociais de ultrapassar os limites ambientais, permitiram que os estudos ultrapassassem os limites de repetição do pensamento para o nível da crítica e da superação consciente das ideias que estavam presas apenas ao mundo das ideias puras. Assim começam a nascer as primeiras teorias sociais calcadas pela realidade material, percebida historicamente, diante de contradições contidas no interior das relações sociais e da maneira como são produzidas ou reproduzidas.
Se as abordagens socráticas a luz da dialética, buscava provocar os envolvidos sobre a verdade, com base na razão e na ampliação dos conhecimentos filosóficos, levantando questionamentos e abrindo debates sobre as ideias, em que, se afirmava uma verdade e se colocava aquela verdade a prova dos diferentes questionamentos, sempre se buscava uma síntese que pudesse ser racional ao entendimento humano. Como era muito mais uma abordagem filosófica sobre o que era e o que não era a verdade das coisas ou dos fenômenos. Quando o assunto era o ser ou espírito dos fenômenos como o pensamento, o ser imutável, a perfeição dos deuses, nem tudo era essencialmente explicado, gerando os limites da abordagem dialética.
Nas bases do método dialético de Marx, ele ultrapassa os limites da ideia ou do pensamento puro, principalmente, quando esse ideia não se sustenta na realidade dos fatos históricos, assim, o pensamento ou ideia produzida por algum autor em sua obra, merece uma análise crítica aprofundada, considerados os seus aspectos filosóficos, políticos, socias, econômicos e culturais, para além de uma ideologia fechada ou algo parecido com leis naturais, socias e econômicas que só se sustentam no mundo ideal. Por isso considerarmos que as contradições e a totalidade das ideias, estão no pensamento crítico de Marx.
Questionar, provocar as contradições dos pensamentos, relativizar as verdades a priori e estimular contrapontos de alguns pensamentos aos testes da razão crítica e ampliar o debate para além da filosofia, fez com quê a Dialética em Marx se tornasse um método de análise passível de testagem e explicação racional, consideradas a lógica e o censo crítico que precisa ser aceito, mesmo que provisoriamente, pela comunidade científica.
Então temos no pensamento de Marx a crítica fundamentada nas contradições das ideias postas em sua época e assim, ele propôs uma nova dialética, capaz de ultrapassar os limites dialógicos e ser assentada na realidade dos fatos e em suas contradições. O que era uma ideia, Marx transformou em Método Dialético. Mas é importante observarmos que um dos fundamentos do pensamento de Marx é o Trabalho, assim o autor ampliou a ideia do Valor Trabalho", afirmando que só existe uma maneira de se produzir ou quem cria algum valor é o trabalho, logo, não existe economia, que não seja produzida pelo trabalho e, nesse sentido Marx percebeu todas as contradições da história humana, quando aqueles que produzem com o seu trabalho, geralmente não ficam com os frutos de sua labuta.
O método dialético proposto por Marx e a teoria do valor trabalho, analisada na perspectiva de suas contradições econômicas, sociais , políticas e culturais, nos leva para a compreensão da realidade dos fatos e para consciência social como caminho revolucionário necessário as transformações políticas e econômicas da sociedade. Foi através desse pensamento que Marx passou a estruturar sua grande obra, "O Capital", com especial ajuda de Engels, em especial nos volumes três e quatro e na tradução para o inglês o que tornou a obra reconhecida mundialmente.
A perspectiva revolucionária que estava em diferentes espaços da época de Marx, precisava ser canalizada pelo proletariado ou pelos operários, capazes de atingir um nível de consciência das contradições de classe, que podem levar a uma Revolução emancipatória da classe operária. Essa pode ser a dinâmica da realidade histórica. A materialidade histórica pode se transformar em Revolução Social que Marx via como Revolução Socialista pela ação do proletariado, que em algum momento entrará em choque com a burguesia, ou os grupos que controlam o capital, controlando o trabalho ou os frutos do trabalho social.
Qual é a grande base do capitalismo? A exploração do trabalho pelo capital. Logo, a teoria do valor trabalho continua válida em todos os sentidos e precisamos do método dialético de Marx para analisar de maneira crítica a realidade das contradições do sistema capitalista de exploração de classe. As ideias aqui, até parecem simples, mas será preciso aprofundar as leituras das teorias e do método dialético de Marx, para que se comece a leitura de O Capital.
Como afirmamos no começo desse artigo, a totalidade do sistema capitalista organiza todas as categorias da realidade, inclusive a ideologia que busca esconder as contradições do sistema, dando ao sistema uma ideia de fragmentação e individuação das relações entre os seres, como se não existissem classes e as contradições, assim o capital ideologicamente tenta esconder o sentido das contradições e desigualdades sociais. O trabalho social ou coletivo, se perde na individuação de homens aparentemente livres, mas sem capital, se obrigam a vender a sua força de trabalho por dinheiro ou salário.
Diante do curto tempo e da falta de aprofundamento dos estudos atuais, nos encontramos diante de muitos empecilhos para o aprofundamento de leituras e apontamentos. Vale ressaltar que Marx em seu tempo, era um leitor voraz e um escritor constante e metódico. Dos milhares de artigos e entrevistas em jornais, as milhares de cartas com centenas de interlocutores em diferentes países, desde os socialistas, sindicalistas e anarquistas, aos filósofos, economistas e demais pensadores sociais, Marx deixou um legado de escrituras, com manifestos e críticas em todos os campos das ciências sociais, jurídicas, filosofia, economia e cultura que lhe tornou um dos pensadores no século XIX, mais lido nos séculos seguintes.
Não querendo entrar em "O Capital", mas é fundamental entendermos que os ataques teóricos e ideológicos ao pensamento de Karl Marx estão justamente em negar o Método Materialista, Histórico e Dialético, seguido pela negação das contradições da teoria do valor trabalho e as contradições de classes. Ou seja, nestes mais de 200 anos do pensamento de Marx, a cada fase de contradições do sistema capitalista, passa a existir um retorno as teses de Marx e um forte ataque ao seu pensamento. Então, vamos ultrapassar a banalidade das redes sociais para ultrapassar o método dialético para além dos marxistas que tenta simplificar estas ideias. A leitura de Marx é o melhor caminho, mesmo que sejam caminhos espinhos, pedregosos e tortuosos.
Obras fundamentais
CHASIN, J. Marx: Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009.
______. Marx: da razão do mundo ao mundo sem razão. In: ______. (org.). Marx Hoje. São Paulo: Ensaio, 1987. P. 13-52. ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Lisboa: Ed. 70, 1989.
______. O capital. Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 1975.
______. A guerra civil na França. São Paulo: Boitempo, 2011.
______. K. Manifiesto inaugural de la Asociación Internacional de trabajadores. In: ______.; ENGELS, . Obras fundamentales: la internacional: documentos, artículos y cartas. México, DF: Fundo de Cultura Económica, 1988. V. 17.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Cortez, 1998.
Comentários
Enviar um comentário