OS GARIMPEIROS DE BOLSONARO E A CONQUISTA DO ESPAÇO VITAL
Por Agassiz Almeida Filho.
Em 05 de setembro de 2021, o site do governo federal publicou um artigo do vice-presidente da República, general Hamilton Mourão. No texto, intitulado “E Viva a Nossa Amazônia!”, Mourão faz uma clara defesa da visão militar acerca da floresta. Ele afirma que “os projetos de assentamento e colonização agrícola da Amazônia foram deixados à própria sorte”, ressaltando, ainda, que “a Amazônia Brasileira não é o jardim zoológico do mundo, mas sim um local habitado que busca encontrar o desenvolvimento sustentável.”
A tese da colonização da Amazônia como
necessidade geoestratégica não é nova. Reflete a ideia de que é preciso
colonizar a região para assegurar a soberania do país. O objetivo aparente dos
militares é combater o vazio demográfico. Como afirma a pesquisadora Adriana
Marques, esse vazio se refere à
inexistência “de uma população comprometida com a preservação da soberania
brasileira sobre a região.” Segundo tal perspectiva, a ocupação da Amazônia
pelos povos imaginários é um equívoco que favorece a usurpação da soberania
nacional. Os militares brasileiros se inspiraram no pensamento geopolítico que
antecedeu e influenciou a Segunda Guerra Mundial.
As teorias geopolíticas
ocupavam lugar de destaque no final do século XIX. Na Alemanha, sobretudo por
causa dos projetos expansionistas e coloniais, destacava-se o papel do
território como fator necessário para o desenvolvimento econômico e a
identidade nacional. A conquista do espaço físico era uma das bases da expansão
política. Daí surge a teoria do espaço vital (Lebensraum), alicerce da Geopolítica
a partir da Primeira Guerra Mundial. Do modo como foi concebido por Friedrich
Ratzel, em 1897, o espaço vital era o ambiente geográfico onde cada povo vivia
e criava raízes espirituais.
Halford Mackinder, em 25 de janeiro de
1904, proferiu uma conferência na Real Sociedade Geográfica de Londres: “O Pivô
Geográfico da História”. Mackinder era professor da Universidade de Oxford e um
dos fundadores da London School of Economics. Sua conferência
ampliava o alcance da Geopolítica, analisando as relações entre os Estados a
nível global. As relações internacionais eram entendidas através de uma ótica
espacial e competitiva: a luta pelos espaços geográficos típica do
imperialismo. Assim era compreendida a Geopolítica pelos militares e políticos
europeus naquele momento.
Em 1916, o cientista político sueco, Rudolf
Kjellén, escreve “O Estado Como Forma de Vida”, com base nas teorias de Ratzel.
No livro, aprimora pesquisas anteriores sobre o mesmo tema, Kjellén assume a
ideia de que o Estado era um organismo vivo em constante expansão, aplicando o
darwinismo social e a prevalência dos mais aptos à relação entre os Estados. O
objeto da obra era a conexão do espaço geográfico com a organização política
nos planos nacional e internacional. O livro de Kjellén foi publicado na
Alemanha com prefácio de Karl Haushofer.
A teoria do espaço vital e a compreensão do
Estado como organismo em expansão influenciaram o pensamento geopolítico do
general Karl Haushofer. À frente da Geopolitik, ele prepara
o terreno para a expansão imperialista da Alemanha após a Primeira Guerra
Mundial. Na linha do pensamento nacionalista centro-europeu, Haushofer
desenvolve a noção de espaço vital de modo a compatibilizá-la com a ideologia
nazista.
A imposição da cultura e da raça é o
fundamento para um espaço vital capaz de assegurar a sobrevivência e a
segurança de um povo. Trata-se de uma concepção que abriu as portas para o
pangermanismo e a submissão total dos países mais fracos. E para que se impôs
essa perspectiva sobre o assunto? “Para que ali se edifique – escreve Haushofer,
em 1927 –, por terceira e definitiva vez, a nova construção do Estado alemão,
para que nasça, sobre o ‘território étnico e a área cultural’, o Terceiro
Reich!”
Essa forma de compreender o espaço vital e
a Geopolítica foi superada após a Segunda Guerra Mundial. A expansão
territorial voltada para a ocupação violenta do espaço geográfico por um Estado,
em razão da sua herança cultural e formação étnica, através da imposição de uma
identidade nacional que excluía os demais povos, tornou-se incompatível com a
cultura da paz, as tendências de integração política e a globalização como um
todo. A Geopolitik
nacional-socialista, contudo, sobreviveu.
Heriberto Cairo, professor da Universidade
Complutense de Madri, ressalta que “só na América Latina – sobretudo no
discurso vinculado de forma mais estreita com os estamentos militares dos
diversos países, cuja presença e impacto político é maior (Brasil, Argentina e
Chile) – produziram-se ‘surtos’ tardios destas teorias, em particular durante a
época das ditaduras militares dos anos 1960 e 1970.” A sobrevivência da Geopolitik na
América Latina é um traço do autoritarismo e do caráter reacionário da
ideologia cultivada pelos quartéis.
As colocações do general Hamilton Mourão
sobre a colonização e os assentamos na Amazônia refletem a perspectiva dos militares
brasileiros, fundada na Geopolítica nazista e no culto da superioridade racial
e cultural que ela promovia. Adriana Marques ressalta, a título de exemplo, que
“a percepção de que os povos
indígenas que vivem na Amazônia podem ser cooptados por estrangeiros é uma
constante no discurso militar.” A exclusão do elemento indígena do processo de
colonização mencionado por Mourão é uma conclusão inevitável. Numa inversão
inaceitável, o indivíduo
não indígena aparece como representante do segmento étnico e cultural que pode
proteger a soberania brasileira.
O ponto de
vista dos militares brasileiros enfrenta três obstáculos centrais. Primeiramente,
não é possível considerar os povos indígenas como seres humanos de segunda
categoria. Os direitos à igualdade e à dignidade da pessoa o impedem. Além
disso, a pretensão de povoar a Amazônia, ampliando a fronteira agrícola, enfrenta
evidentes barreiras ambientais, já que a Constituição e os tratados
internacionais consideram o povoamento da região como uma medida secundária e
excepcional. Finalmente, as reservas indígenas aparecem como espaços de
preservação ambiental onde essa ocupação não é juridicamente possível.
Os
garimpeiros de Bolsonaro constituem uma categoria social, política e econômica
própria: o fora-da-lei oficial. Esse status foi alcançado pelo esforço
direto e indireto do governo federal para que os garimpos ilegais fossem
tolerados na Amazônia em geral e dentro das reservas indígenas. No dia 7 de
dezembro de 2021, o governo apresentou uma proposta junto ao Conselho Nacional
dos Povos e Comunidades Tradicionais, vinculado ao Ministério da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos, para considerar os garimpeiros como integrantes
desses povos tradicionais.
O próprio presidente da República, em 26
de outubro de 2021, visitou um garimpo ilegal na reserva Raposa Serra do Sol.
Referindo-se ao projeto de lei n. 121/2020, que tramita na Câmara dos
Deputados, Bolsonaro dirigiu-se aos garimpeiros nos seguintes termos: “se vocês
quiserem plantar, vão plantar. Se vão garimpar, vão garimpar. Se quiserem fazer
algumas barragens no vale do rio Cotingo, vão poder fazer.” O discurso e a
atuação do governo federal em relação aos garimpeiros refletem a doutrina do
espaço vital da Geopolitik nacional-socialista.
Para Bolsonaro, Mourão e os militares brasileiros é
necessário expandir a colonização na Amazônia e substituir os povos
originários. Essa forma de pensar está na linha de frente da violência contra as
populações indígenas, ampliando a fronteira que invade as áreas demarcadas e
prepara uma pretendida colonização da região. Nesse contexto, a função dos garimpeiros
é aprofundar os conflitos com as comunidades indígenas, atuando como criminosos
(autorizados informalmente) do Estado e promovendo uma ocupação do território
proibida por lei.
A nova conquista da Amazônia segue o caminho tradicional. Mais uma vez, o Estado brasileiro atua como catalizador de uma exploração que discrimina e mata. Trata-se de um reflexo da negação do Estado Democrático de Direito que se implantou no país após 2016. Más de lo mismo. Os garimpeiros de Bolsonaro e sua cruzada pelo espaço vital são como o próprio bolsonarismo: uma projeção da irracionalidade que exalta a violência, o descumprimento das leis e o esmagamento das minorias.
_________
Texto Original - https://www.brasil247.com/blog/os-garimpeiros-de-bolsonaro-e-a-conquista-do-espaco-vital
Comentários
Enviar um comentário